O que faço agora é o exercício de um “vagabundo” aos olhos de muitos, qual seja: pensar e escrever pensamentos. Pensabundo noctívago no terceiro turno de trabalho... Vagabundo de três turnos de trabalho? Isso mesmo. Eu sou pastor. Ser pastor é um grande privilégio! É que não cuido de gado ovino, bovino ou suíno, mas de gente. Esse nome de pastor é uma parábola, esse trabalho não é emprego, não é profissão, é chamada, é vocação, tal que ninguém pode compreender o mistério que existe neste chamado, senão aqueles que são vocacionados. Por que nem todos concebem precisar de alguém que cuide de suas almas, consideram um pastor algo totalmente desnecessário, inútil. Por isso, tentam dar outra finalidade ao ministério pastoral.
Existem muitos falsos pastores! Dizem até que é fácil ser pastor nos nossos dias, mas ser pastor de verdade não é fácil. O primeiro turno de trabalho do pastor é no lar, junto à esposa e aos filhos. O segundo turno, nos campos do Senhor, junto às ovelhas que berram sem parar; berros, às vezes mudos e às vezes ocultos traiçoeiramente, além de outros compromissos eclesiásticos, administrativos, contatos que incluem outros pastores, autoridades e profissionais prestadores de serviços, além de divulgadores de seus próprios trabalhos que recorrem aos pastores para solicitarem algum tipo de apoio; e o terceiro turno, sob as estrelas, ao trepidar ruidoso da janela de uma casa antiga, ao ruído discreto do computador, leitura, reflexão, redação ou tendo às mãos, um livro de hermenêutica, teologia ou história eclesiástica. Ora, sermões não dão em árvores, a não ser um sermão pobre, podre, fraco, improvisado... É que até um bom improviso é fruto de uma mente preparada. O Ministério é de interpretar e servir as Escrituras para, por meio dela, exortar, consolar e ensinar.
Claro que às vezes, as demandas exigem uma miscelânea destas atividades no mesmo turno. O fato é que tudo isso, às vezes resulta em estresse e nem sempre colhemos os frutos do nosso penoso trabalho. As pessoas pensam que pastores não trabalham, ou que trabalham muito pouco, e poucos são os que nos defendem, até mesmo os colegas que pensam estar gozando de uma maior credibilidade. Muito do que o pastor faz não pode ser exibido para justificar a sua utilidade ou demonstrar o seu labor.
Minha rotina desde que me casei, sempre incluiu sair da cama de madrugada para levar minha esposa ao ponto de ônibus, por que morando sempre em lugar muito perigoso, e entendo ser zeloso e responsável, e não medroso; não vou deixar a minha linda esposa novinha com quem vivo já há mais de dez anos, em risco e à mercê dos bandidos, para depois figurar nos noticiários policiais como vitima de violência sexual ou roubo! Se for para isso acontecer, eu serei noticia, e se preciso, como morto, mas protegendo meu tesouro! Depois vieram os filhos e em seguida, alimentar e cuidar dos meus filhos, quando acordam, e depois, com um lanchinho no meio da manhã; um vai para creche mais cedo e o outro, até 13h30min, vai para escola de barriguinha cheia. No interregno, faço contatos eletrônicos e telefônicos, escrevo, posto artigos no blog, trabalho em um livro, leio e também faço meus exercícios físicos numa saída rápida para a academia. O que as demandas me fazem desistir durante semanas, nisso eu admito que esteja pecando.
Esse cuidado com a minha família e com o meu corpo, em primeiro lugar, foi um ponto muito positivo na avaliação por parte do meu tutor eclesiástico na ocasião que manifestou ser favorável à minha Ordenação ao Sagrado Ministério da Palavra e dos Sacramentos. Mas o populacho considera esse tempo dedicado ao bem estar da minha própria família e ao meu bem estar, um furto, e mesmo inconscientemente, comunicam que isso só deveria ser feito se sobrasse tempo.
Diz-se do indivíduo ocioso. Nós só pensamos no peso etimológico das palavras quando é lançado sobre nós. “Ocioso” é o indivíduo folgado, preguiçoso, e, a raiz desta palavra é “ócio”, a palavra “ocioso” não incomum utilizada para designar o indivíduo negligente e inerte. Do latim otiu, descanso, folga do trabalho. O tempo que dura essa folga. O lazer, vagar. Ociosidade. Mandriice, preguiça. Repouso. Sendo seu Antônimo, o trabalho e a ocupação. Mas existe “ocio”, um adjetivo que caracteriza o que está com cio (Apetite sexual dos animais em determinadas épocas). Significa correria, agitação, alvoroço, berra, brama, cavalgação, estro, o-cio das cadelas agitadas, o impulso deste ocio é sexual, é a libido a energia desta agitação, logo, o “ocioso” neste sentido, é o individuo que corre pelo instinto animalesco e de sobrevivência, impulsionado pela carne e suas paixões. Ócio e ocio são dois extremos.
Vamos pensar em três ócios: moral, espiritual e intelectual e físico.
Existe um ocio, e ele é sempre moral, ou imoral. Não existe outra atividade mais comum entre pessoas ociosas do que a maledicência. Na caserna, aprende-se que a curiosidade banal, pelo cotidiano das outras pessoas e a maledicência, popularmente conhecida como fofoca, é um ví-cio tipicamente feminino, (do latim: vitiu, um Defeito físico ou moral; deformidade, imperfeição. Defeito que torna uma coisa ou um ato impróprios, inoperantes ou inaptos para o fim a que se destinam, ou para o efeito que devem produzir). Mas sabemos que homens também manifestam esse ocio e vício. Pastores são alvos preferidos de gente que se ocupa de vigiar a vida alheia de longe e de fora, tirando conclusões precipitadas. No caso de nós pastores, pensam que gastamos (eu particularmente tenho sido afligido por esta gente ociosa) todas as primeiras horas do nosso dia, e de todos os nossos dias, ociosamente; dormindo.
Outro ócio perturbador é o ócio espiritual e intelectual. As pessoas acometidas pelo ocio, comumente padecem de ócio intelectual e espiritual correm de um lado para o outro e realizam muitas obras, mas todas são infrutíferas, e não raramente, más, porque seus impulsos são carnais e mundanos.
As atividades intelectuais e espirituais são comumente injustiçadas com a alcunha de ociosidade. O pastor em seu exercício espiritual é afligido e castigado, e em meio às dores e angústias, é Deus quem o visita e consola, a fim de que também dê a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia (paráfrase de Romanos 9:23). Os pastores verdadeiros têm a sua vocação sustentada pelo do amor e pela graça de Deus.
Há pessoas que dedicam suas forças físicas nas atividades que fazem e acham que o trabalho intelectual e espiritual é nunca trabalhar. Um amigo pastor narrou sua experiência de encontrar na saída da igreja um irmão amado, profissional do trabalho braçal que, ao cumprimentá-lo disse, esfregando os seus calos na mão lisa do pastor, segurando-o firme pelo pulso: “sente aqui pastor o que é uma mão de homem trabalhador.” É normal um homem ignorante pensar que a única atividade que pode ser considerada trabalho seja a que faz calos nas mãos.
Os ( o-cio’s) impulsos carnais e mundanos produzem o hiperativismo, o qual é uma marca no ministério e na igreja hodierna; é um excesso de atividades que não são a missão da igreja, não servem a causa do evangelho e não glorificam a Deus. Os ministros são levados a esse tipo de comportamento quando sedem à pressões de homens de mente secularizada (carnal e mundana), os quais não sabem que a preparação espiritual e intelectual precede qualquer ação; por exemplo: visitar é preciso, mas qual é o propósito da visita? Se for comunicar Deus às pessoas, como o pastor pode fazê-lo sem que antes ele mesmo dedique tempo para encontrá-lo em oração e meditação na Sua Palavra?
As atividades que não deveriam exigir a presença pastoral devem abrir espaço para àquelas que realmente exigem, e os verdadeiros preguiçosos devem cooperar, orando e trabalhando para apoiar o ministério, ao invés de praticarem a maledicência e a difamação daqueles que estão lavorando na seara do Senhor.
Aqueles que vivem o ócio espiritual e intelectual tendem a criticar a dinâmica de trabalho dos verdadeiros guias espirituais.Pessoas ociosas espiritualmente e intelectualmente às vezes se dedicam a alguma atividade que exige esforço físico, ou se dedicam às atividades seculares e são preguiçosas para o trabalho intelectual e para os exercícios devocionais da oração, da meditação e do jejum.
O trabalho espiritual e intelectual sob pressão dos ociosos espirituais e intelectuais sofre significativa perda. Tais ociosos não servem a Deus em suas difamações e maledicências, provocando aflições e dores na alma dos ministros. É diabólico o estratagema de fazer um ministro sentir pesar em não sair de casa antes de um exercício devocional particular ou um culto doméstico com a família, pois antes de ter um encontro com as demandas do ministério, o pastor precisa ter um encontro com Deus; antes de distribuir graça, ele deve receber as efusões da graça de Deus por meio da oração e da meditação. A cada dia, as dinâmicas adotadas pela igreja matam e distorcem o propósito da vocação para ser canal da revelação e da graça de Deus, e gera ministérios profissionais, preocupados em atender às demandas do povo, preocupados em manter a credibilidade e a aceitação popular. Foi para atender a essas demandas, que Arão fez um bezerro de ouro para o povo na planície, enquanto Moisés se demorava no monte do ócio sagrado, no lugar da Palavra de Deus, no santo lugar da revelação.
Quero ainda abordar o ócio físico, vilão da obesidade e conseqüência de enfartos, pressão alta e outras moléstias que acometem os homens modernos, e também os ministros do evangelho. Acredita-se até que pastores são homens barrigudos, que comem muita massa e liquido açucarado nas muitas visitas. No entanto, os compromissos e encontros pastorais devem abrir espaço na agenda pastoral para os encontros com Deus em oração, retiros, meditação na Escritura e jejuns. O corre-corre dos ministros profissionais que atendem as demandas idólatras impostas por homens ociosos espiritualmente e intelectualmente, não o livra do estresse, da hipertensão e da obesidade e suas conseqüências. Esse corre-corre do hiperativismo é espiritualmente improdutivo, regado a sacarose e cafeína e inflado por massa de farinha de trigo e de polvilho, e nem faz calar os maledicentes, e ainda leva a muitas enfermidades e à morte.
Conhecemos pastores que adoeceram a ponto de ficar depressivos e estafados, por não cuidarem “de si mesmos e da doutrina” (1 Timóteo 4.16); antes, atenderam às demandas pervertidas do ministério profissional e se exauriram, amargando juntamente com a enfermidade o fracasso ministerial. Por isso, se o ministro dormiu às cinco horas da madrugada, precisa do ócio, ou seja, precisa folgar e se recuperar por que se morrer, não tem nenhuma pensão para deixar para a viúva, a qual terá que desocupar a casa pastoral para o outro que vem; se não tiver para onde ir, Deus a livre e guarde! Se sobreviver precisa gozar de saúde física e mental para o exercício de seu oficio.
Cristo morreu pela igreja. Quem é que está exigindo um novo calvário? Somos pastores das ovelhas do Senhor e não a encarnação do messias para um novo sacrifício como se o único sacrifício por nossos pecados não fosse suficiente. Não somos deuses, somos homens! As ovelhas são dele, e ele é o Bom Pastor que já deu sua vida por elas (João 10.11).
Visite o médico, o dentista freqüente, também uma academia de musculação, a pista de Cooper e faça uma caminhada, e deixe os ociosos morais, espirituais e intelectuais falarem. Lembre-se: vão falar de qualquer jeito, mas os ministros precisam de saúde para ajudá-los em seus problemas. Se não cuidarem de si, como vão cuidar dos outros? Elas (as ovelhas) já provocarão nos pastores muitas dores em suas almas, no trato diário do rebanho. Elas é que são o rebanho. Portanto, nós pastores, é que temos de saber a hora de alimentá-las e que necessidades têm. Enquanto ovelhas berram desesperadamente contra os que as alimentam, lembrem-se, isso é outra obra diabólica: o diabo lança as pessoas contra àqueles ministros de Cristo que poderiam ajudá-las, para afastá-los.
“Conheço um homem” que passou pela experiência de ter sua privacidade invadida. Um jovem pastor, recém ordenado, morando em uma casa pastoral, oficiais da igreja, membro e funcionários, tendo acesso portão adentro, faziam suas incursões pelo terreno em volta de seu lar. Os funcionários, várias vezes visualizavam a mesa de suas refeições ao transitarem ao redor da casa pastoral. Este pastor acreditava que pudessem fazer algum trabalho para melhoria na propriedade da igreja, mas simplesmente achavam que ele era ocioso e deveria capinar o mato que crescia, plantar uma horta, enfim, exercitar-se, fazendo em um ano o que em quarenta anos não fizeram. O lote da casa pastoral é grande e poderia ter um pomar, árvores já decanas. Ele não tinha condições e nem interesse nisso, já que estava ali para passar o período de um ano apenas, tempo que se estendeu por mais alguns meses. Teve problemas, certamente, começando pela sua privacidade invadida, difamações e maledicências de pessoas que, não entendiam o que viam, já que eles tinham acesso às vistas apenas da mesa de suas refeições, viam-no comendo, e quando não o viam, concluíam que ele estava dormindo. A conclusão deles é que o pastor come e dorme. Quando ele saia, não tinham acesso à agenda dele e a seus horários, então concluíam que o pastor era como um pombo: comia, dormia e voava.
Ora, pastor trabalha muito! Mais do que muita gente imagina. Não é muito bem remunerado como muita gente pensa. Tem muitas preocupações concernentes às cargas dos outros que ele ajuda a levar. Sofre com aflições por causa de falsos irmãos e precisa ser pastoreado também, porque também é ovelha do BOM PASTOR, Jesus.
Todo ministro deve estar muito atento para evitar ocios, ócios e vícios, porque somos chamados especialmente ao sacerdócio. Digo especialmente por causa do sacerdócio universal que não será abordado aqui. Porém, devemos compreender o que é o sa-cer-dó-cio, do latim sacerdotiu, que, embora seja um cargo, ou dignidade daqueles que têm suas funções de sacerdote consignadas na lei antiga de oferecer sacrifícios. Hoje, considerado o Ministério Eclesiástico num sentido particular, tem-se concebido em todos os âmbitos, como uma missão que se toma com muita seriedade, como uma coisa sagrada, a qual leva a pessoa a desobrigar-se, ou abster-se de fazer outras coisas, e dedicar-se exclusivamente a ela. A partir deste ponto de vista, o sacerd-ócio é o ócio sagrado (sacerd), que levou à constituição de diáconos, os quais são servos para cuidar de coisas relativas às necessidades físicas, materiais, a fim de que os apóstolos tivessem ócio suficiente para se consagrarem a oração e ao mais importante: O MINISTÉRIO DA PALAVRA (Atos 6.4).
Se o pastor dedicar tempo preparando o conteúdo do sermão, será cobrado pelas visitas e atividades eclesiásticas e, se não apresentar um sermão com conteúdo satisfatório, será criticado por não ter se preparado o suficiente.
Seus erros não serão visto como erros humanos, mas como erros de pastor, imperdoáveis. Sua forma física e suas olheiras, e mau humor esporádicos, serão sempre inadmissíveis. Suas crianças serão filhos do pastor, correndo e dando trabalho, se forem bem ativas; ou, carentes e recalcadas, se forem acanhadas. Então, de qualquer forma, se questionará sua vida privada até no temperamento de seus filhos. Sua esposa, ou será esnobe demais, ou simplesinha demais. Nada vai mudar isso: ovelhas continuarão sendo um gado que berra sem parar, e nós pastores que, mesmo assim teremos que cuidar delas.
Somos participantes dos sofrimentos de Cristo. Se não pouparam o nosso Senhor, tão pouco nos pouparão porque somos seus servos. Enfim, cumpramos cabalmente a nossa vocação e chamada sem esperar o reconhecimento dos homens, mas pela glória de Deus. Já somos agraciados por sofrer, e até por morrermos no cumprimento do nosso dever nas fileiras daquele que nos arregimentou.
Rev. Anatote Lopes