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segunda-feira, 24 de maio de 2010

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segunda-feira, 10 de maio de 2010

A VERDADEIRA SEGUNDA BÊNÇÃO: UMA BREVE HISTÓRIA DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA DE JOHN WESLEY

Foi numa reunião da Sociedade Missionária dos Morávios que Wesley em 24 de maio de 1738, precisamente na rua Aldersgate, teve a experiência de sentir seu coração aquecido de modo estranho; dizia ele: “Meu coração aqueceu-se estranhamente, e fiquei sabendo que os meus pecados, os meus próprios, tinham sido perdoados”. (LLOYD-JONES, 1998. p. 209)[1].
Wesleianos apaixonados consideram esta sua experiência como o marco de sua peregrinação espiritual; coincidente com o pós-divórcio e com a crise profunda deste ícone do panteão dos grandes heróis pós-atos, nas palavras de Ricardo Gondim, pastor da Assembleia de Deus Betesda[2]; no entanto, sua crise eclesial e doméstica tem sido ignorada pelos defensores de posições, que supervalorizam a experiência mística deste avivalista do século XVIII.
Wesley até 1735 passava por dias de crise e de abatimento, não encontrava o sentido existencial de sua missão; amargava o seu divórcio, sua insatisfação com sua igreja e com suas dúvidas quanto ao básico da fé. No entanto, este homem terrivelmente confuso e emocionalmente desequilibrado teria encontrado refúgio para sua alma transtornada e aflita em Jesus Cristo.
Gondim também nos informa que em 14 de outubro de 1735 Wesley fracassou na tentativa de evangelizar os índios da Geórgia. Numa carta escrita a bordo do navio Simmonds, ele revela seu estado de perturbação: “Em vão tenho fugido de mim para a América. Ainda choro sob o intolerável peso de minha miséria. Se ainda não me arrependi deste projeto é porque nada espero da Inglaterra ou do paraíso. Aonde eu for levarei o inferno comigo”. Ainda a bordo do Simmonds conheceu o segundo líder dos morávios, August Gottlieb Spangenberg. Ricardo Gondim escreveu no mesmo artigo este diálogo:
Quando pediu ajuda sobre a sua obra missionária, Spangenberg foi direto na jugular: “O Espírito de Deus testifica a seu espírito que você é filho de Deus?” Wesley se espantou com a linguagem direta e sem rodeios do outro missionário. Spangenberg continuou como numa rajada de metralhadora: “Você conhece Jesus Cristo?” Wesley engasgou: “Sei que Ele é o Salvador do mundo”. A hesitação de Wesley chegava a ser vergonhosa: “Espero que Ele tenha morrido para me salvar”. Spangenberg pressionava com a mesma intensidade: “Você sabe disso com certeza?” Sem coragem para falar Wesley apenas resmungou: “Sei sim”. Anos depois, confessou em seu diário que aquele “sei, sim” foram palavras vãs.

Essas palavras não foram para Spangenberg novas ou improvisadas; ele seguia o padrão morávio  o método de como se deviam interrogar, catequizar e examinar rigorosamente as pessoas a serem agregadas nas sociedades, seguindo as orientações de William Williams. Essa experiência de Wesley não era esperada de um cristão amadurecido, mesmo por William: “Às vezes vocês vão ter um choque ao verem que as primeiras experiências das pessoas são muito melhores do que as experiências posteriores”.
O histórico dia 24 de maio de 1738 teria sido o dia que Wesley nasceu como verdadeiro filho de Deus, apesar de que, Wesley já tinha sido ordenado Ministro e estava envolvido em contendas e disputas na Igreja Anglicana. Os dias de Wesley antes da experiência do coração aquecido, não foram dias de um cristão convertido em busca de uma Segunda Benção, mas, o dia em que Wesley creu no evangelho e foi selado com o Espírito Santo, ainda que seu testemunho tenha servido equivocadamente à doutrina da Segunda Benção.
A experiência coletiva nas reuniões destes grupos morávios que influenciaram John Wesley, a sua própria experiência nessas reuniões, seguiam métodos já utilizados por grupos similares que se ocupam da experiência mística.
Os acontecimentos que se seguiram podem ser considerados no mínimo de bom alvitre, por exemplo: assumiu que Jesus era realmente o seu Salvador; renunciou sua própria justiça para sua Salvação; consequentemente, tornou-se dependente de Cristo; passou a viver uma vida de oração constante; passou a ter paixão pela evangelização.
As experiências estranhas: do coração aquecido de Wesley e das sociedades dos morávios, assim como, a experiência das tremedeiras dos corpos dos Quakers (tremedores), ainda que sejam apontadas como segundas bênçãos do Espírito Santo, não devem ser apresentadas como modelos, tampouco deve ser norma para evidenciar uma vida no Espírito. O que evidencia uma vida no Espírito Santo é a obediência à Palavra de Deus; a Palavra de Deus que deve moldar a nossa experiência, a nossa maneira de cultuar e de viver. Isso pode ser observado na vida de Wesley e de George Fox (líder dos Quakers que enfatizava a experiência da tremedeira do corpo), apesar de que os rumos da teologia desses grupos não se tornaram referências. E por que não? Ora, porque a Igreja da Inglaterra era totalmente contaminada pela heresia arminiana naquele tempo, naquela região, tal como afirma D. M. Lloyd Jones:
A família de Wesley, pai e mãe, tinham-se tornados arminianos, e se orgulhavam disso. Não só isso; há uma interessante prova apresentada pelo professor Geoffrey Nuttall que mostra que o arminianismo estivera particularmente em voga na aldeia de Epworth, onde viveram os Wesley. Assim, eles tinham sido criados e educados numa atmosfera inteiramente arminiana. (LLOYD-JONES, p. 212).

Pelo menos em Gales, acrescenta o Dr Lloyd-Jones, os cristãos eram totalmente calvinistas. Os metodistas, depois de algum tempo que chegaram a Gales, se tornaram calvinistas. Foi o que aconteceu com Whitefield, Rowland e Harris; foi o estudo que eles fizeram dos trinta e nove artigos e dos puritanos que os levaram a essa posição. Tornaram se calvinistas e continuaram sendo calvinistas até o final de suas vidas; estes influenciaram a maior parte dos metodistas.
Os discípulos no caminho de Emaús estiveram com Jesus depois da ressurreição (O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS, 24.13-53 In Bíblia Sagrada, 1988, pp. 943-944), depois que o reconheceram, comentava-se: “porventura não nos ardia o coração quando Ele nos ensinava as Escrituras?” (1988, p. 944). O reverendo A. Skevington Wood[3], pastor da Igreja Metodista de Southlands em York, na Inglaterra, escreveu em seu artigo, no qual Ricardo Gondim se baseou: John Wesley aconselhou seus evangelistas: “nunca aceitem nada sem testar... Não creiam em nada que não tenha sido claramente confirmado nas Escrituras.”
Indiscutível, portanto, que Wesley possa ser considerado um grande referencial evangélico de fé, santidade e de compromisso com o reino de Deus; mesmo que não tivesse a experiência mística do coração aquecido em sua conversão, não deixaria de ser considerado pelo fato de ter obedecido à Palavra de Deus à exortação: “provai os espíritos se procedem de Deus” (PRIMEIRA EPÍSTOLA DE JOÃO, 4.1 In Bíblia Sagrada, 1988, p. 1103) e ao exemplo dos crentes de Beréia (ATOS DOS APÓSTOLOS, 17.10-14 In Bíblia Sagrada, 1988, p.992).
Assim como os discípulos no caminho de Emaús Wesley, Whitefield, Rowland, Harris e Skevington Wood tiveram a desejável “experiência do coração aquecido” não de forma estranha, mas pelo exame das Escrituras. Eles reconheceram a autoridade e a verdade da Palavra de Deus a ponto de poder repetir: “porventura não nos ardia o coração quando Ele nos ensinava as Escrituras?” (O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS, 24.32 In Bíblia Sagrada, 1988, p. 944).
Atribui-se a Wesley o imerecido título de precursor do movimento pentecostal, uma vez que o metodismo e o pentecostalismo, ainda em um nível mais elevado o neopentecostalismos na atualidade estejam tão distanciados dele, tanto pela secularização quanto pelo liberalismo teológico. Este precursor do pentecostalismo reconhecido pela história por sua paixão evangelística, seus sermões e sua ótica social exerce pouca, ou nenhuma influência nos movimentos e nas teologias dos tempos pós-modernos, mesmo tendo oferecido inicialmente o arcabouço teológico que inspirou os movimentos pentecostais no inicio do século XX na formulação da doutrina da segunda benção, particularmente evidenciada pelo sentir algo ou manifestar algo “estranho” ou “sobrenatural”, como por exemplo, o que foi considerado depois como segunda benção: o Batismo no Espírito Santo com evidência de línguas (também) estranhas.
Certa vez Wesley disse: “Meu chão é a Bíblia”, e ainda: “Eu sigo a Bíblia em todos os assuntos, grandes ou pequenos, ela é a pedra de apoio em que os cristãos examinam todas as revelações, reais ou supostas”.
A primeira geração de metodistas era de homens comprometidos com a santidade, sem, jamais, esquecerem a Graça; afirmando os postulados da Reforma Sola Gratia, Sola Fide, Sola Scriptura, Solus Christus e Soli Deo Gloriae. John Wesley fez um sermão em Oxford, no qual afirmou:
A mesma Graça livre nos concede hoje vida, respiração e tudo mais, pois não há nada que somos ou temos ou fazemos que não provenha das mãos de Deus. ‘Todas as nossas obras, tu, ó Deus, as fazes por nós’. Assim, elas são tantas outras manifestações de livre misericórdia, e toda justiça encontrada no homem, será também dádiva de Deus. Então, como o pecador fará expiação pelo menor de seus pecados? Com suas próprias obras? Não, ainda que sejam muitas ou sejam santas, não provém deles, mas, senão de Deus... Se, portanto, os pecadores acharem graça diante de Deus, é ‘graça sobre graça’... ‘Pela Graça então sois salvos mediante a fé’. A Graça é a fonte e a fé, a condição da Salvação.

O que vemos hoje é uma Igreja que se distancia da Reforma e também do pensamento wesleyano, e retorna às velhas praticas pagãs que, incluem os sacrifícios, penitências e boas obras, para se alcançar o favor dos deuses ou de Deus, as quais sejam: bens materiais, dons espirituais e a salvação.
Existe por parte dos homens um forte fascínio pelo fantástico, Theodore Beza[4] (1519-1605) escreveu:
(...) fechemos as portas a todas estas fantásticas noções que o diabo tem usado, em todas as épocas, para corromper o homem. E então ouvimos o Evangelho exposto e pregado de maneira adequada e própria, de forma a entender melhor a sua substância (Rm 10.8; 1Pe 1.25) e colocá-lo no coração onde, pela fé, ele pode produzir os frutos verdadeiros do arrependimento (Mt 13.23; At 16.14).

Os líderes que se arrogam avivados e espirituais ensinam técnicas de oração e campanhas para se receberem de Deus bênçãos diversas. Explicam como buscar dons espetaculares e prosperidade material, mas, não pregam a justificação de pecadores pela Graça. Wesley, no entanto, foi um homem que pregou a Graça apaixonadamente, amou os pobres e se empenhou para viver em santidade, apesar de ter corroborado para o desenvolvimento da doutrina antibíblica da segunda benção.
Os movimentos evangélicos de nosso tempo precisam redescobrir o legado de homens do passado que pregavam e viviam a Palavra de Deus, deixando de lado o mau testemunho dos coríntios, de se deleitarem em ouvir línguas estranhas, sem que algum profeta, interpretasse ou explicasse o que estava sendo dito (PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PAULO AOS CORÍNTIOS, 14.1-19 In Bíblia Sagrada, 1988, p. 1033). Ainda segue o que foi dito por Beza:
...como crerão sem que ouçam, tendo em vista que a fé vem pelo ouvir, como o apóstolo Paulo diz em Rm 10.17? E como ouvirão quando, longe de ser exposto propriamente, é cantando em língua estranha (1Co 14.19, 16-28)? Também como que alguém pode ser fundamentado na santa e verdadeira doutrina, confortado entre tantas e variadas tentações, advertindo a opor-se a falsas doutrinas (Rm 15.4; 2Tm 3.16), sem meditar dia e noite na Palavra de Deus e examinar cuidadosamente as passagens da Santa Escritura (At 17.11; Jo 5.39)?

Muitos homens de Deus nunca estiveram em transe ou em qualquer estado de êxtase ou de inconsciência, nunca falaram línguas sem ter sido aprendida, nunca tiveram visões, sonhos, ou arrebatamentos, ou a experiência do calor no coração, ou da tremedeira, ou qualquer outra experiência estranha da forma que muitos testemunham, no entanto, traduziram a Escritura para ser lida e compreendida por todos os homens e mulheres, para experimentarem o que os discípulos experimentaram em Emaús, diante da exposição das Escrituras, “porventura não nos ardia o coração quando Ele nos expunha as Escrituras” e “se lhes abriram os olhos”. Essas expressões encontradas no relato de Lucas 24 são metafóricas, e, significam, portanto, que as Escrituras alcançaram os seus corações, trazendo-lhes pela compreensão, o entusiasmo e a alegria para proclamarem o que se cumpriu e o que ainda vai se cumprir, o que as Escrituras dizem a respeito do nosso Senhor Jesus Cristo.
A experiência do coração aquecido de Wesley teria sido vã e inútil, tanto quanto desprovida de significado se o seu coração se esfriasse para a Palavra de Deus ao se aquecer numa experiência mística. A experiência desse missionário nas reuniões dos morávios pode ter sido momentânea, mas o nosso coração precisa permanecer aquecido pela Palavra de Deus para sempre.
A segunda bênção que devemos buscar evidencia uma vida plena do Espírito Santo; é uma vida de obediência à Palavra de Deus: a nossa experiência, a nossa maneira de cultuar, a nossa maneira de viver; o modelo de obediência deve ser observado na vida de Jesus Cristo, do qual devemos ser imitadores.

[1] LLOYD-JONES, D. M., Os Puritanos: Sua Origem e Seus Sucessores. Ed. PES. São Paulo. 1998.
[2] Narrativa de Ricardo Gondim no Artigo: Procuram-se evangelistas com o coração aquecido para a Revista Ultimato; GONDIM, Ricardo, Artigo: Procuram-se evangelistas com o coração aquecido. Revista Ultimato Edição 274, Editora Ultimato Ltda. São Paulo. 2002.
[3] Fonte: The Burning Heart-John Wesley: Evangelist, Bethany Fellowship, 1978; citada no artigo de Ricardo Gondim para Ultimato.
[4] Theodore Beza ocupou a primeira cadeira de Grego em 1558 e foi o sucessor de Calvino na cadeira de Teologia da Academia de Genebra. Esta citação é uma transcrição do artigo do capítulo 4 (seções 22-23) de seu livro The Chistian Faith (A Fé Cristã), o qual foi best seller durante a Reforma Protestante, publicado em 1558 sob o título Confession De Foi Du Chretien (Confissão de Fé do Cristão).