Por Paulo Anglada
O conceito reformado de “palavra de Deus” é mais amplo do que aquele geralmente compreendido pela expressão. Ele inclui a “palavra escrita”: a Bíblia; a “palavra encarnada”: Cristo; “a palavra simbolizada” ou “representada”: os sacramentos do batismo e da ceia; e “a palavra proclamada”: a pregação. Na teologia reformada, portanto, a pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus. Esta concepção de pregação é professada no primeiro capítulo da Segunda Confissão Helvética, de Büllinger, nestes termos: “A pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus. Por isso, quando a Palavra de Deus é presentemente pregada na igreja por pregadores legitimamente chamados, cremos que a própria Palavra de Deus é proclamada, e recebida pelos fiéis; e que nenhuma outra palavra de Deus deve ser inventada nem esperada do céu...”
Esse conceito não implica em identificar a palavra pregada com a palavra escrita. A Escritura é definitiva, suprema e inerentemente autoritativa, enquanto a autoridade da pregação é sempre derivada da Escritura e a ela subordinada. Não implica também na inspiração ou inerrância da pregação. Por mais fiéis que os pregadores sejam em suas exposições da Bíblia, eles não são preservados do erro como foram os autores bíblicos. Muito menos significa que ministros da Palavra sejam instrumentos de novas revelações do Espírito. O próprio documento reformado citado repudia essa ideia, ao afirma que “nenhuma outra palavra de Deus deve ser inventada nem esperada do céu”.
A pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus, primeiro porque é na condição de porta-voz, de embaixador, de representante comissionado por Deus, que o pregador fala: “De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2 Co 5:20). “A natureza da obra do pregador”, observa Dabney, “é determinada pela palavra empregada para descrevê-la pelo Espírito Santo. O pregador é um arauto.” A pregação é a palavra de Deus porque é entregue em nome de Deus, e debaixo da sua autoridade. Em segundo lugar, a pregação é palavra de Deus em virtude do seu conteúdo. Parker observa que a pregação recebe o status de palavra de Deus das Escrituras. A pregação “é palavra de Deus, porque transmite a mensagem bíblica que é a mensagem ou palavra de Deus”. Aprouve a Deus, não apenas revelar a sua vontade, em primeira mão, aos profetas e apóstolos, e fazê-la registrar nas Escrituras, mas também comunicá-la ordinariamente ao homem através da pregação, pela instrumentalidade de ministros comissionados. Enquanto a pregação refletir fielmente a Palavra de Deus, ela tem a mesma autoridade e requer dos ouvintes a mesma obediência.
Dabney observa que o uso de termo arauto para descrever o ofício do pregador, encerra duas implicações. Primeiro, que não lhe compete inventar sua mensagem, mas transmiti-la e explicá-la. Ele lembra, por outro lado, que o arauto “não transmite a mensagem como mero instrumento sonoro, como uma trombeta ou tambor; ele é um meio inteligente de comunicação... ele tem um cérebro, além de uma língua; e espera-se que ele entregue e explique de tal maneira a mente do seu Senhor, que os ouvintes recebam, não apenas os sons mecânicos, mas o verdadeiro significado da mensagem”. Phillips Brooks define pregação como comunicação da verdade de Deus através da personalidade do pregador. Assim como a palavra inspirada é de Deus, apesar de escrita por autores humanos em pleno uso de suas peculiaridades humanas, assim também a palavra pregada é de Deus, embora mediada pela personalidade do pregado.
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